25.2.10

Centenário do Rallye de Monte-Carlo (1911-2011)

Centenário
do
Rallye de Monte-Carlo
(1911-2011)



Eu sei que eu como milhares (se não for milhões) de entusiastas de rallye, são fãs do Rallye de Monte-Carlo (ou Monte Carlo Rally ou Rallye Automobile Monte-Carlo). Por esse blog já contei um pouco da história deste evento, mostrei carros exóticos que ali participaram; mostrei provas fantásticas e memoráveis; mostrei provas que deveriam ser esquecidas. Já falei, inclusive da primeira prova, mas deixei escapar alguns fatos e outros que só soube agora, numa busca que fiz nos arquivos/biblioteca do ACM (Automóvel Clube de Mônaco). Tem histórias fantásticas no decorrer destes 100 anos de existência, como aquela quando um dos ônibus da Mercedes-Benz que participaram do rallye, houve num deles uma bebedeira geral dos integrantes, ou do navegador medroso do ônibus da Citroen, que bebia para ter coragem de fazer a prova.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b1/Rally_Monte_Carlo_20_jan_1934.jpg
Já se viu de tudo, desde um carro com inúmeras bagagens (em 1957), até um carro inglês (em 1952), com um verdadeiro lavabo no seu interior. Mas como tudo evolui, em 1964 as regras mudaram e este rallye passou a ser subdividido em provas especiais, incluindo provas de endurance e de velocidade (outra mudança radical ocorreria somente em 2005, por imposição da FIA em acordo com o ACM - Automobile Club de Mônaco). A retirada da Nuit du Turini foi um choque, tanto para os monégasques, como para todos que lá iam para assistir esta etapa noturna. Perdeu-se o charme especial da prova (muitos ainda lembram-se dos 404 ralizeiros amadores de 1953 - agora perto do ano do centenário em 2010, são um pouco mais de 30 profissionais no WRC). Eu falo na Nuit du Turini, como se todos os blogueiros a conhecessem! Na verdade Turini é uma região localizada no Col de Turini (Alpes franceses), utilizado pela organização do Monte Carlo Rallye todo o ano (até 1997), com estágios que iam de La Bollene-Turini-Sospel ou Sospel-Turini-La Bollene (agora esse trajeto é utilizado no Rallye Monte-Carlo Historique - que inveja para quem ainda não fez...). Era a Nuit du Turini - na verdade - a última noite, onde se dividiam os homens dos meninos... O primeiro herói não oficial de Turini foi o inglês Paddy Hopkirk, que em 64 deu um show com seu Mini Cooper S (para ser ter uma idéia, havia na torcida, cartazes com a inscrição: Paddy para Presidente). O herói oficial foi o finlandês Timo Makinen, que em 65 (no chamado rallye da morte - 237 equipes largaram, chegaram apenas 22 times), ganhou tudo. Neste ano nascia a chamada Noite de Turini. Timo ganha 3 dos 5 trechos cronometrados e 5 das 6 provas especiais (tudo debaixo de neve). Ele deu um "baile" nos Porsches 904GTS, principalmente no pilotado pelo alemão Eugen Bhringer.

http://www.classicandperformancecar.com/front_website/octane_interact/picture.php?getid=26200&table=cars
Gobron (este é um 1912 mas o que tirou segundo lugar, era igual a esse)

Hoje em dia esta prova que teve início pelo seu grande "incentivador" Príncipe Albet I, tem seu segmento de velocidade com carros novos no FIA World Rally Championship (WRC), desde 1973 e no FIA Intercontinental Rally Challenge (IRC), desde 2009 e, no segmento de regularidade no FIA Rallye Monte-Carlo Historique, desde 1997. Em comum com essas 3 modalidades: asfalto, estrada com piso irregular, neve, gelo e muitas, mas muitas curvas, com estradas recheadas de hairpins na subida, na descida, a esquerda e a direita. As mais famosas legs ou special stages do mundo estão lá como as que passam por La Bollène, Sospel, Col de Turini dentre outros pontos (aliás, as provas de velocidade não utilizam mais os trajetos muito perigosos, eliminando até a famosa e última leg conhecida como Noite de Turini, ou como os ingleses chamam de "Night of the Long Knives").

 
Motobloc com correntes na roda e mala Louis Vuitton
Testa pilotou um 6 cilindros de série

Caminhão de apoio - brincadeira dos franceses é claro (não há relato de apoio de fábrica em 1911)

1911 é lembrado pelo grande acontecimento do arqueólogo de Yale, Hiram Bingham ter "achado" Machu Picchu a cidade perdida dos Incas no Peru, mas... tal ano também é lembrado, pelo início de uma grande saga que tornou símbolo de um grande evento - a primeira prova do rallye de Monte Carlo. 23 carros deram a largada em 11 cidades diferentes pela Europa, para terminar no Principado de Mônaco (era o Monte Carlo Automobile Rally ou simplesmente chamado de Rallye Monte Carlo), organizado pelo Príncipe Albert I, que era bisavô do atual Príncipe Albert II e por conseqüência, avô do Príncipe Rainier III (aquele que foi casado com a Grace Kelly). Era na verdade para atrair pessoas para o Principado que sofria de complexo de inferioridade com a cidade francesa e vizinha Nice - o Príncipe Albert I queria atrair os ricos e milionários para Mônaco - o primeiro merchandise era o estampado numa placa que cada participante carregava na frente do carro, dizendo que estava participando de um rallye para Monte Carlo (foi ai que surgiu a placa de rallye, hoje obrigatória em todos os eventos deste tipo).


http://gazoline.net/IMG/jpg/doc-450.jpg
Lembrem-se que os baus Louis Vuitton serviram de malas para os participantes do primeiro Monte


Mas vamos ao início. Vocês podem não acreditar, mas tudo começou com um advogado - isso mesmo! Antes da Primeira Guerra Mundial, o Principado fazia a chamada "Monte Carlo Week", com uma famosa corrida de barcos a motor, onde dois ingleses se destacavam (Tom Thornycroft e Montagu Graham White - este último, como todos vocês sabem, era um entusiasta dos carros da época). Em 1909 (realizado em 1910), foi idealizado um projeto da construção de um motoring club (vocês devem lembrar-se do Run entre o Hotel Metropole e Brighton no Reino Unido - objeto de comentário deste blog), fazendo com isso, reunir os proprietários de carros, realizando uma espécie de "rally" (na saída do Run acima citado, utilizou-se pela primeira vez a expressão: "Go" - usada até hoje em todos os rallyes). Pois bem, por essa influência e pela corrida de barcos, um advogado francês, resolveu baseado no Convegni Ciclisti, organizado na Itália, planificar uma prova chamada "Rallye para Monte Carlo" (afrancesou-se o termo rally, grafando rallye).

Beutler e seu Martini
Havia a previsão de premiação (que ia de £ 8 a £ 400). Então, em novembro de 1910, o Sr. Alexandre Noghes, presidente do Clube de Automóvel e Motocicleta de Mônaco, anunciou o Monte Carlo Rallye para janeiro de 1911. A largada seria dada em vários pontos: Paris, Bolonha, Madri, Roma, Berlim, Viena, Bruxelas, Amsterdã, Genebra, Lisboa e São Petesburgo (Leningrado, também). Em 1911 deu-se o primeiro "Go" na prova, com a participação de 23 competidores, sendo ganha por Henri Rougier, com um Turcat Mery de 25hp, que andou de Paris à Riviera, perfazendo uma distância de 570 milhas, em 28 horas e 10 minutos. Neste primeiro evento, a maioria dos competidores largaram de Paris (12). Houve o primeiro conflito (dentre centenas que se seguiriam na história deste rallye): o sexto lugar foi dado ao alemão Capitão Von Esmarch, que largou de Berlin. Ele abriu mão do prêmio, alegando que veio de mais longe, e portanto, deveria haver uma compensação. Esta reclamação fez efeito no futuro, pois, se utilizou o sistema de bonificação de quem largasse de mais longe (esse sistema foi abandonado depois da II Grande Guerra). Henri Rougier ganha as £ 400, mais um outro prêmio (Pneus Continental), além de uma escultura em bronze, ofertada pelo Príncipe de Mônaco. Em segundo ficou o Sr. Aspiagu, pilotando um Gobron de 40hp, e em terceiro ficou o Sr. Beutler, num Martini 38hp.




Não se tratava de um rallye esse primeiro Monte, mas resultou numa prova de endurance para chegar à Mônaco - muitos dos carros rodavam em torno de 1000kms em estradas de terra, neve e gelo, para chegar a Monte Carlo. Para os organizadores era uma forma de rivalizar com Nice, que tinha uma corrida (Paris-Nice), mas com carros preparados para esse evento, e o rallye de Monte era para carros de uso pessoal, sem qualquer tipo de preparação. Monte queria o turista rico, que pudesse gastar no Principado e no cassino, além de encher o seu principal hotel - Hotel de Mônaco - que ficava as moscas em janeiro-março. Pensou-se na época: rally com carros - quem tem carros? ricos - vamos fazer um rallye com carros, pois, estes são itens de luxo.

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/6/63/Henri_Rougier_and_the_25Hp_Turcat-Mery_before_the_inaugural_Monte_Carlo_rally.gif
Henri Rougier (claro - a direita), com seu Turcat Mery 25hp (notem a placa do rallye)


O rallye organizado para ocorrer em 1911, fora nos moldes do realizado pelo Circulo Italiano de Rally (estamos falando de ciclismo), com partidas em diferentes cidades européias, convergindo a Mônaco. O planejamento do rallye começou em 1909, com o Automobile Club de Mônaco, chamado naquela época de Sport Automobile Velocipedique Monegasque (SAVM - em 1925 é que mudo-se para a designação de hoje - ACM). Na verdade Gabriel Vialon e Antony Noghes (este último presidente do SAVM), convenceram o Príncipe Albert I de Mônaco a trazer turistas com a realização desta prova, que daria um prolongamento da temporada de férias iniciada em dezembro (a prova deveria iniciar em janeiro). 23 carros foram inscritos e logo se tornou um sucesso, pois, no ano seguinte foram inscritos exatos 88 carros (mas foi limitado a apenas 60 carros)! Dos 23 inscritos, 20 largaram e somente 18 chegaram. O limite de velocidade era de 25km/h (hoje no rallye de regularidade é o dobro = 50km/h). Em 1911 os carros ficaram em parque fechado, mas com um objetivo: Concurso de Elegância - tanto é que o Henri Rougier que vinha com um Turcat Mery aberto de corrida (45hp - ele era revendedor da marca), resolveu ir com um fechado, para não passar frio e pelo motivo principal, participar do concurso de elegância, que levava em conta, também, o conforto (e deu certa a estratégia), mas deveriam ter skilled drivers (como é hoje em dia) - era a única exigência para a participação no rallye (peso do carro, e outros acessórios, como pneus, potência, etc. ficavam no esquecimento - essa tradição de skilled drivers originou a tradição de que os pilotos são tratados até hoje como prima-donas - ai está a origem, para os "coitados" dos navegadores). O vencedor da primeira prova era aquele que obtivesse o maior número de pontos:

- 1 ponto por km / h, com um limite de 25 kmh
- 1 ponto por cada 100 km percorridos
- 2 pontos por cada pessoa transportada, inclusive o engenheiro/mecânico, mas excluindo o piloto
- 0 a 10 pontos para o grau de conforto dos passageiros transportados, a bagagem é um elemento de valorização!
- 0 a 10 pontos para a elegância do carro
- 0 a 10 pontos para o estado do carro chegada
- 0 a 10 pontos para a limpeza do motor e carro em geral

Rotas:

Genebra: 670 km, 2 carros
Paris: 1.020 km, 9 carros
Boulogne sur Mer: 1,272 km, 1 carro
Viena: 1319 km, 2 carros
Bruxelas: 1310 km, 4 carros
Berlin: 1.700 km, 2 carros

Em 1911 apesar de não ser um rallye propriamente dito, como conhecemos hoje, já houve um ataque de estrelismo (como acima mencionei), diante de um júri nada técnico: o Capitão Von Eismach recusa a aceitar o sexto lugar, dando lugar a Goldstick, que pilotava um La Buer vindo de Paris... este foi o fim do primeiro Monte!


Classificação Geral:
1. Rougier (Turcat-Mery 25HP) Paris
2. Aspiazu (Gobron 40 HP) Paris
3. Beutler (Martini 28/35 HP) Berlin
4. Denoncin (Gobron 20 HP) Paris
5. Testa (Motobloc 16 HP) Paris
6. Goldstick (La Buer) 
Berlinois Beutler (Martini 28/35 HP)
Outros dados:
Velocidade: Primeiro Rougier, segundo AspiazuDistância percorrida: Primeiro Beutler, segundo Desenfant
Número de pessoas a bordo: Primeiro Aspiazu, Segundo Tenente Knapp
Conforto: Primeiro Rougier, Segundo Beutler
Estado do carro: Primeiro Mironneau, Segundo Aspiazu Parreau

O juri que não entendia de quase nada (como já afirmei), demorou mais de 24 horas para julgar. Quando declararam a vitória do Rougier, a ira do Capitão von Esmach foi enorme, derrubando mesa e jogando uma taça de vinho na parede. Ele havia partido de Berlin e foi o primeiro a chegar em Mônaco, com uma média de 22,655 km/h. A organização do rallye pensou que fosse o fim do evento (e deles mesmo, pois, o mecânico do Capitão puxou um revolver na hora do anúncio, levando 2 franceses a correr), but... a ira alemã chamou mais a atenção de outras pessoas, pelo noticiado nos jornais e no ano seguinte... muitos milhonários compareceram ao evento (não haveria as edições de 1913 a 1923 por causa da I Grande Guerra - em 1924 passou a ser o rallye  nos moldes que conhecemos, evoluindo até 1949 - de 39 a 48 não houve rallye, por causa da II Grande Guerra - de 1950 há regras que se seguem no Rallye Historique atual).


Luis Cezar


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