Historic Rallye - The most essential item of equipment is a sense of humour!

17.5.14

Race/Rally Paris-Madrid 1906

Terceira edição da Vanderbilt Cup (297.1 milhas)
Eu já postei algumas corridas que marcaram época, tanto de longa distância, como de distância curta ou média. O que muitos não sabem é que esta história de raid e depois rallye, começou em 1894 com a corrida entre Paris e Rouen, tendo como ganhador um carro De Dion. 
Paris-Marseille 1896
A primeira prova que ultrapassou os 1.000km aconteceu em 1896 entre Paris-Marseilles-Paris (1162.5 km), quando venceu um 8hp Panhard. O primeiro Tour de France ocorreu em 1899; a famosa prova Gordon Bennett (Paris-Lyon), na sua primeira edição, foi realizada em 1900; Paris-Madri (1903); Florio Cup e o Primeiro Vanderbilt Cup ambos de 1904; Targa Florio (1906); Primeira Corrida Sul-Americana em São Paulo de 1906; Pequim-Paris (1907 - 10 mil milhas); e Nova Iorque-Paris (1908 - 22 mil milhas) - dentre outras.
Largada da The Great 1908 New York-to-Paris Automobile Race
Há 1000 Histórias para ser contadas sobre esses eventos. Aos poucos vou fazendo um resumo destas provas. É bem verdade que as provas do século 19 tem uns carros semelhantes a carroças... mas vale o esforço destes desbravadores do esporte a motor. Já contei histórias saborosas de algumas destas provas. Todas são importantes, mas tem uma que marcou: fez surgir a ideia de rallye de velocidade; de parque fechado; de largada de 1 em 1 minuto; de carregar ferramentas nos carros para serem consertados sem assistência; de co-piloto; de classe por veículo - e foi por causa dela e dos acidentes fatais acontecidos nesta prova, que surgiram os autódromos. Trata-se da Paris-Madrid de 1903.


A prova (misto de rallye e corrida), aconteceu em maio de 1903, organizada pelo Automobile Club de France (ACF) e pelo Automóvil Club Español. Aliás a França realizou fantásticos eventos neste sentido, sempre partindo de Paris, com destino a Bordeaux, Marseilles, Dieppe, Amsterdam, Berlin e Vienna. Cabe lembrar que desde 1901, depois da prova Paris-Berlin, houve uma determinação (na época expedida pelo Ministro de Negócios Internos - Waldeck-Rousseau), de que haveria necessidade de se expedir uma autorização especial para provas deste segmento - no caso do Paris-Madri tal autorização não era expedida - foi a primeira prova onde no regulamento havia uma cláusula ditando que os veículos deveriam dar toda a sua velocidade e a premiação era de quem chegasse primeiro. O Paris-Madri era fortemente apoiado na Espanha pelo Rei Afonso XIII, além do mais, a imprensa francesa expunha que a França detinha a melhor tecnologia em veículos e estes não poderiam ficar fora de uma prova assim. O presidente da ACF - Barão de Zuylen, conseguiu convencer o Primeiro Ministro francês Émile Combres, de que as estradas realmente eram públicas e abertas e não haveria acidentes (as estradas eram seguras e razoavelmente pavimentadas), e... o público adorava esse tipo de competição, além do mais, os carros franceses iriam passar sempre na frente de vária cidades, fazendo com isso houvesse um aumento nas compras destes carros (cabe lembrar que na época, um número expressivo de trabalhadores - 25 mil - trabalhavam na indústria automobilística francesa - só de exportação nesta época gerou-se mais de 16 milhões de francos por ano). O governo francês cedeu aos argumentos e autorizou a prova.

Programa

Em apenas 40 dias de divulgação, já havia mais de 300 pilotos querendo participar da prova - a imprensa francesa fez um cálculo e só de patrimônio líquido, representado pelos carros havia 7 milhões de francos. O rallye (ou corrida), estava previsto para percorrer no primeiro dia Paris (Versailles) até Bordeaux; no segundo dia Bordeaux até Vittoria; e no terceiro dia Vittoria até Madri. O regulamento fora publicado nos 3 maiores magazines franceses da época que tratavam do motorsport: France Automobile, La Locomotion e La Vie Automobile.


Não vou contar toda a história em detalhes, mesmo porque, depois da prova houve uma ação enorme dos franceses, em encobrir muitos dos fatos... (mas - kkkk - tenho alguns livros que escaparam da queima francesa. Well... a formatação final apresentou 315 pilotos - alguns livros eu encontro listas de 314 pilotos (o maior número de participantes já visto até então - aliás foi considerada a maior corrida desde a invenção do carro - 100 mil pessoas compareceram na largada naquela madrugada - nos primeiros 100kms o público lotava as laterais das estradas - dizem os livros e jornais da época que este foi o maior evento do mundo da época - de 1 a 3 milhões de espectadores estavam presentes de Paris a Bordeaux), contudo, na largada apenas 224 estavam presentes - muitos apareceram depois da largada, ainda bêbados, outros tentaram chegar com seus carros, mas estes quebraram; dois deles o mecânico não apareceu e um o furo no tanque de combustível era tão grande, provocado por uma pedra, jogada por uma amante, que não conseguiu partir. Este revidou jogando um estepe na cabeça da ex-amada amante e o caso virou um caso de polícia... bla... bla... bla...

Era subdividia da seguinte forma: 88 carros na classe mais pesada (650-1000kg); 49 carros entre 400-650kg; 33 carros até 400kg; e, 54 motocicletas. Essa divisão era muito importante e servia de handicap (outro elemento - handicap - usado por muitos e muitos anos nos rallies - e até hoje usado nos rallies históricos, levando em conta o ano de fabricação c/c cilindrada). O problema na largada eram os ciclistas trazendo iluminação a carbureto, que circundavam as ruas e depois o início da rodovia - era uma multidão - retendo os primeiros competidores que largaram... outro ponto também iria atrasar esses pilotos...
Notem a buzina nas mãos do mecânico
Pilotos famosos na época participaram do evento: com o carro Panhard Levassor de 4 cilindros, 70cv que poderia atingir os fantásticos 140kph, participavam: René de Knyff, Henri e Maurice Farman, Pierre de Crawhez, Charles S. Rolls (eram 16 carros desta marca). Mercedes colocou 11 carros e outras grandes marcas da época fizeram questão de participar, como De Dietrich (10), Mors (14), Gobron Billie, Wolseleys (4), Napier e Charron Girardot. Os caros pequenos eram mais destinados a amadores, e representavam as marcas Darracq, De Dion-Bouton, Serpollets (7), CGV (6), Clément-Bayard, Richad e Decauville. Renault entrou com dois carros pilotados pelo Marcel Renault e por Louis Renault (eles eram grandes pilotos). Fiat entrou com 2 carros, mas trouxe os maiores pilotos da época: Luigi Storero e Vincenzo Lancia. Quem mais fez esforço para participar e utilizar a corrida como meio de publicidade foi Société Lorraine des Anciens Etablissements de Dietrich - comumente chamado de: De Dietrich. Ele usava uma corrente de tração desenhada e desenvolvida por Turcat-Méry de Marseilles.
Fernand Gabriel, num Mors
As classes eram divididas em 4 categorias que levavam em consideração o peso - como acima dito (o peso era sem os passageiros, combustível, baterias, óleo, peças de reposição, ferramentas, bagagem, faróis, buzina, comida e água): até 250kg; 250-400kg; 400-650kg e 650-1000kg. E dependendo do peso, a inscrição ia de 50 a 400 francos. As duas classes mais pesadas deveria ter um piloto e um mecânico (as peças de reposição não poderiam passar dos 60kg). Para as duas classes mais leves, seria necessário apenas o piloto. Há muitas informações erradas sobre estes temas espalhadas em sites, que não pesquisaram direito... cabe lembrar que muitos dos mecânicos eram co-pilotos, mas não poderia assumir a direção (era uma confusão contida no regulamento).
Largada inicial era de 2 em 2 minutos a contar das 04h00 (madrugada), mas como havia muitos carros, passou a largada a ser as 03h30 e os carros largariam de 1 em 1 minuto (esse espaço de tempo é usado até hoje nos rallies históricos). Nesta prova que surgiu a ideia de parque fechado (usado mundialmente na expressão francesa parc ferme), usado no final de cada perna (qualquer reparo de manutenção e abastecimento, como ocorre hoje, deveria ter sido feito antes de se entrar no parque fechado). Os registros de tempo eram anotados numa folha e colocados numa caixa de metal lacrada, instalada em cada veículo. O ponto exato da partida foi na frente do Eau des Suisses nos jardins de Versalhes, na madrugada do dia 24 de maio de 1903.
Henri Béconnais num Darracq 40hp
O primeiro carro a chegar era esperado ao meio-dia (até Bordeaux o trajeto a ser seguido era: Saint Cyr, Trappes, Coignières, Le Perray, Rambouillet, Chartres, Clayes, Tours, Ruffec, Angoulême, Chevanceaux, Guitres e Libourne). Os policiais que foram colocados para impedir que o público invadisse as estradas foi insuficiente e o povo invadiu. O primeiro carro a largar foi Charles Jarrott, com seu mecânico italiano Bianchi, num carro pesando 1000kg, com 45cv - era um De Dietrich - teve que andar os primeiros quilômetros a 40 milhas por hora, para dar tempo do público sair da rodovia - mas o povo vendo que o carro vinha numa velocidade pequena, demorava a sair da frente dele. Com isso a largada foi realizada em quase 3 horas, terminando as 06h45!!!
Muitos conheciam as estradas entre Paris e Bordeaux, mesmo porque, provas importantes ali se realizavam como a Gordon Bennet Cup... mas a perna Bordeaux-Vittoria era desconhecida pela maioria dos participantes - tinha curvas bem fechadas e longas retas pavimentadas, onde poderia se abusar da velocidade dos carros. Mas... esse conhecimento da primeira perna criou-se uma confiança exagerada nos pilotos e... por isso - acredita-se - muitos acidentes ocorreram... acho que isso pode ter influenciado, mas a assistência é que abusou, como ocorreu nas provas do Grupo B moderno, onde os carros monstro foram proibidos e a assistência não fica mais invadindo a rodovia (muitos morreram). Hoje temos sempre 2 roteiros (quando dá), e quando um está muito perigoso de público, muda-se para outro.
Marcel Renault
O tempo estava seco, havia uma nuvem imensa de poeira provocada pela passagem dos carros - não chovia ou garuava já havia duas semanas, o que piorou a visibilidade com uma nuvem de poeira bem espessa. A diferença era pequena entre os carros devido a pouca velocidade que tinham que fazer diante do público, que invadia a rodovia. A visibilidade caiu para metros. Contudo, após o primeiro ponto de controle em Rambouillet, e o segundo em Chartres a multidão tornou-se menos densa. Logo após Rambouillet, estilo selvagem de pilotar do Louis Renault permitiu-lhe superar De Knyff e Jarrott, que estavam lutando pelo primeiro lugar (estes estavam mantendo uma postura mais prudente para evitar a multidão). Thery e Stead seguiram o Louis Renault à distância, enquanto o Mercedes de Jenatzy e o Mors de Gabriel estavam liderando uma recuperação incrível, superando os 25 carros que vinham a frente, alcançando um lugar entre os dez primeiros pilotos. Outro feito incrível foi alcançado por Marcel Renault, que largou na 60ª posição, mas conseguiu quase que alcançar os líderes da corrida no ponto de controle de Poitiers... essa correria toda acabou com sua vida...
Fora das posições principais, os acidentes corriam soltos ao longo do dia - muitos carros chocavam-se contra árvores e se desintegravam; um deles capotou e pegou fogo; vários eixos quebraram, e alguns pilotos inexperientes e até mesmo mecânicos, caiam nas estradas, após curvas e quando os carros passavam em grandes buracos. Imaginem carros com 800, 100okg capotarem!!!
Louis Renault - Renault AK
Louis Renault
Louis Renault chegou a Bordeaux em primeiro lugar ao meio-dia, enquanto Jarrott - que estava correndo com uma embreagem com defeito e teve problemas no motor e escapamento, chegou meia hora mais tarde, seguido por Gabriel, Salleron, Baras, de Crawhez, Warden, Rougier, Jenatzy e Voigt. Todos fisicamente esgotados: os carros eram pesados e exigiu uma grande dose de força para manobrar. Poeira entrava pelos óculos e muitos quase não enxergavam. Os que não tinham esses problemas, estavam com as mãos queimadas, devido a problemas com os motores e escapes. Gabriel que largou na 168a posição, chegou em terceiro lugar, foi mais tarde reconhecido como o vencedor quando os tempos foram corrigidos.
Camile no seu 30hp de Dietrich.
Alguns grandes nomes se retiraram, como Vanderbilt que quebrou um cilindro de seu Mors; a Mercedes do Barão de Caters bateu em uma árvore, mas ele saiu ileso (tentou consertar o carro, para continuar na prova). A piloto Lady Camille du Gast (Crespin), estava na oitava posição, com seu 30hp De Dietrich, quando parou para ajudar seu companheiro o piloto E. T. Stead (Phil Stead), que havia caído do carro. Ela terminou 45. Charles Jarrott, que terminou em quarto lugar com seu Dietrich, afirmou que Stead teria morrido se ela não tivesse parado.
Camille du Gast - a primeira piloto de corridas com nível internacional

Camille com seu mecânico
A Camille por ter ajudado o Stead terminou na posição 45 (no final da corrida encurtada). Sim... a corrida nunca chegou a Madri. Muitos morreram nesta primeira perna - nunca foi divulgado ao certo quantas pessoas morreram nesta prova - o governo francês sempre escondeu esse número (houve uma proibição dos hospitais de noticiarem todos os atendimentos a feridos e mortos - muitas das fábricas de carros, bancaram os enterros e atendimento aos familiares escondendo que houve morte com o uso dos carros). A grande verdade é que morreram pilotos, mecânicos e público, além de animais (cachorros que "atacavam" os carros) - essa corrida tornou-se uma tragédia. O governo francês parou a corrida em Bordeaux. Os carros foram apreendidos e foram puxados por cavalos até a estação ferroviária - os veículos (carros e motos) foram embarcados e enviados  para Paris (a Espanha num primeiro momento não quis autorizar a reentrada dos carros em seu território vindos por trem). A partir de então foi proibido na França corrida/rallye em estrada aberta. Quando em 1904 a Camille quis tomar parte no julgamento da eliminação das corridas Gordon Bennett a Comissão Desportiva da ACF interveio, proibindo as mulheres de participarem de qualquer corrida.
Em abril de 1904 Madame du Gast publicou uma carta de protesto na revista L'Auto. Mas ninguém tinha dúvidas sobre suas habilidades de pilotagem. A razão para a proibição foram os acidentes de Paris-Madrid em geral. O ACF não podia correr o risco de que uma mulher iria sustentar quaisquer ferimentos em um acidente de corrida (lembrem que estamos no início do século 20). Com a proibição no território todo, do esporte a motor, surgiu a necessidade de se construir autódromos... boa ideia. Lembrando sempre, que onde se registrou o maior número de mortos (quase 100), foi dentro de um autódromo na mesma  França (Le Mans 1955). Cabe lembrar que os rallies no Reino Unido ficou limitado a florestas e a trial... as famosas subidas de montanha. Só depois de muito tempo os rallies ficaram restritos a estradas fechadas e não abertas.


O que se sabe realmente pelos testemunhos, é que Marcel Renault acelerando tudo... bateu e morreu em Cohue Vérac - na verdade ele morreu 48 horas depois do acidente (ele ficou em coma e nunca recuperou a consciência) - há um memorial no local do acidente (estrada RN10 na região de Poitou-Charentes). O Wolseley de Porter ficou destruído num cruzamento ferroviário - o carro bateu eixo dianteiro da frente e capotou, matando o mecânico. Georges Richard bateu numa árvore em Angoulême, que tentou evitar atropelar um fazendeiro que estava no meio da estrada. Em Châtellerault Tourand o Brunhot evitando atropelar uma criança que atravessou a estrada, matou dois - na verdade nesse episódio, um soldado chamado Dupuy salvou a criança ao retirá-la da frente do carro, mas morreu atropelado e no desvio do carro, um espectador morreu, também, atropelado. Mais ao sul um carro saiu da estrada e matou um grupo de 2 espectadores. O terceiro De Dietrich pilotado por Loraine Barrow bateu numa árvore e o carro explodiu, ferindo ela e matando o mecânico - ela estava passando mal antes da largada, mas como não era possível trocar o piloto então ela foi... metade dos carros que largaram não chegaram ao final da primeira perna... dizem os franceses que o saldo de mortos foram 8 pessoas (5 pilotos, 3 espectadores).

Aconselho para quem quiser se aprofundar no tema, ou para aquele que passa informações erradas que leia: The Great Road Races 1894-1914, de Henry Serrano Villard, ed. Arthur Barker Limited, 1972; L´Historique de la Course Automobile 1894-1965, de Edmond Cohin, Ed. Clermont-Ferrand, 1966; La Grandiose et Meutrière Course Paris-Madrid 1903, de Jean-Robert Dulier, ed. Clermont-Ferrand, 1966; e, Ten Years of Motors and Motor Racing 1896-1906, de Charles Jarrott, Londres, 1906. E... finalmente tem uma lista dos que foram premiados? Sim:
Mors—Fernand Gabriel. 65.3 mph.
Renault—Louis Renault. 62.3 mph.
Mors—Saleron. 59.1 mph.
De Dietrich—Charles Jarrott. 58.2 mph.
Panhard—Baron de Crawhez. 57.9 mph.
Mercedes—Warden. 57.7 mph.
Henri Rougier num Turcat-Méry de 45hp (décimo primeiro na geral e nono na classe carro pesado
Camille Jenatzy
La BENZ "Parsifal" de Marius Barbarou  - 40cv - 783kg
Barão de Crawhez - Panhard
Dietrich de Lorraine Barrow
Adler de Valentin





Luis Cezar

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