Historic Rallye - The most essential item of equipment is a sense of humour!

6.3.14

UDT 1974 London-Sahara-Münich World Cup Rally

Tem rallies que cheiram a fracasso desde o início. O World Cup 1974 Rally foi um exemplo disso. Em plena crise do petróleo resolvem fazer uma prova de longa distância. Estavam querendo refazer o sucesso do primeiro evento ocorrido em 1970 - aliás, da série World Cup foi a última prova.
Os grandes rallies de longa distância sempre carregam uma carga de aventura - se é uma prova bem organizada e planejada o rallye apesar de duro, pode ser divertido. Mas.... se não for realizado de forma profissional, nem aventura natural salva a prova. Exemplos de sucesso ocorreram em 68 no London-Sydney, em 70 no primeiro World Cup (com o pano de fundo a Copa do Mundo de Futebol) e em 72 no London-Sydney Marathon (com o pano de fundo os Jogos Olímpicos)... e nessa esteira em 74 ocorreu o Londres-Munique, organizado pelo Wylton Dickson.
Roteiro inicial - descartado depois
Wylton convenceu Dean Delamont - presidente do RAC que era uma ótima ideia, e este fez esforços para conseguir o patrocinador - o que se conseguiu foi a UDT - United Dominions Trust (era uma empresa financeira tida como a maior empresa no setor de empréstimo de valores, para compra de veículos). Quem levantou a rota foi o mítico e famoso co-piloto britânico Henry Liddon e pelo preparador Jim Gavin (foi piloto no London-Sydney do Escort 1300 GT). Ou seja, RAC, dinheiro e profissionais do rallye, não podeira dar errado... originalmente a partida seria em Wembley, passando pela França, Espanha, Portugal, entrava pelo norte da África, atravessava o Mar Morto, Oriente Médio, entrando na Russia, voltando pela Europa do Leste até a Alemanha. But...
Esse Escort MK1 foi usado para o levantamento do roteiro
Idem com o piloto desatolando o Escort
No mapa o roteiro era legal, contudo, a situação politica era grave em alguns paíes. Vide o cuidado com que os organizadores do London-Sydney Marathon de 68, evitaram os atritos entre Índia e Paquistão; ou os organizadores que fizeram um acordo em El Salvador e Honduras, no London-México de 70. As questões politicas inviabilizaram o roteiro acima (além do componente da crise do petróleo de 73). Estão notando que a coisa está ficando feia... ah... coisa ruim não chega desacompanhada: outro mítico da Ford - Stuart Turner anunciou que a Ford não iria participar do rallye, como havia participado no primeiro World Cup (onde os 5 primeiros colocados eram Ford Escort) - o organizador Dickson teve que ouvir do Stuart que ele e toda a organização era irresponsável, em realizar um rallye de longa distância, passando por vários países, em plena crise do petróleo (vocês não devem esquecer que muitas provas de motorsport, de 1974 foram canceladas para economizar combustível - além do medo da OPEP). A Ford foi acompanhada por inúmeras outras montadoras... (inglesas ou não). A UDT achava que times works não eram tão importantes assim - portanto - ficava no patrocino.

Roteiro Final
Bom... passada essa tempestade, os organizadores pediram para a dupla Liddon e Gavin, para levantar um novo roteiro, principalmente pela África... pegaram um Escort RS1600 (ai que inveja, ainda mais com motor BDA), e partiram. Muitos países, vetaram a entrada do rallye (Russia principalmente) e consequentemente, países do bloco socialista (isso sem contar que a Federação Russa estava fora do mundial de futebol). Traçaram o roteiro com o que havia... nem vou descrever o roteiro, mas ficou em 17.300 kms. Tem um post muito bom (Los Grandes Rallies-Maraton), no site do CUAS (de Montevidéu, escrito por Augusto Basigaluz - ali ele descreve em detalhes o trajeto e legs - e o que ocorreu nelas).
O amigo do Dickson, Ken Tubman, mandou um cheque em branco, para ser preenchido como sendo o valor a ser cobrado por sua participação (seria o valor da inscrição).... ele gostava de ser o primeiro a se inscrever, assim ele havia feito no London-Sydney de 68 e no London-México de 70. Agora, fazer um rallye curto ou médio, você não precisa fazer uma grande preparação para fazê-lo... as inscrições no UDT iam bem devagar e os times esperavam atingir o número técnico (o número mínimo de inscrições), para preparar seus carros para correr 20 mil kms. Ah... esqueci... os clubes ingleses também eram contra a participação neste rallye. Apesar disso, muitos ralizeiros de nome, confirmaram a presença e a organização convidou outros. Entre os ralizeiros estavam Evan Green, Bob Neyret, Patrick Vanson, Claudine Trautmann, Sobieslaw Zasada, Brian Chuchua, Eric Jackson, Ken Tubman, John Hemsley, Doug Harris, Andrew Cowan, Johnstone Syer, Alfred Kling, Ivica Vukoja, Innes Ireland e Keith Schellemberg. Em 74 - ou seja - no mesmo ano, houve um rallye de milhares de km, chamado Líbano-Siria - tinha muito mais estrelas famosas do mundo do rallye, do que neste World Cup... Bom.... uma curiosidade: O Stirling Moss voltava ao motorsport depois do seu famoso acidente em F1. O Shekhar Mehta pilotava uma Lancia Fulvia 1600 HF works - aliás o único carro de time oficial.

O S. Moss e seu co-piloto pareciam ter saído daquela série Banana com Pijamas, ou parecem presidiários da Legião Estrangeira
O briefing do Henry Liddon deveria ser ouvido atentamente... principalmente aos semi-profissionais. Ele disse que havia percorrido duas vezes a rota do Saara e era uma fase muito difícil. Disse que o London-México de 70 foi num trajeto longo e duro, mas esse seria mais duro, mais longo e mais quente. O final do briefing foi: creiam.... vocês estão entrando num território muito perigoso - não o subestimem. Adivinha só!? E.... no dia 5 de maio de 74, largaram 52 carros dos 70 inscritos (fala a verdade - 18 carros não largaram... sorte a deles). As 12h00 em Wembley o carro #1 largou sem quebrar (kkkk), era um Range Rover de um time alemão (Rainer Ising e Hans Ludorf). Acreditem, estavam todos a um rumo incerto além de passar pela chamada Porta do Inferno, ao entrar no Saara.
Acreditem... a falta de informação foi fatal - o PC (posto de controle) no Saara controlava a passagem dos times e... controlava as provisões dos times, principalmente o quanto tinham de água e comida (o trecho Salah até Tamanrasset era um verdadeiro inferno). Alertavam ainda, que o caminho poderia estar muito ruim, ou seja, pior de quando passaram no levantamento do roteiro. Lembrem-se: não havia um carro ''00'' para ir na frente do rallye. Foi ai que a confusão se tornou patente: os controladores deveriam ter avisado que havia uma mudança no Livro de Bordo - a 6.6km deveriam dobrar a direita e seguir por uma nova estrada recém construída.
Quase a 90 km de In Salah as coisas ficaram complicadas para níveis impensáveis - as notas tomadas por Liddon e Gavin (impressas no Road Book), indicavam que tendo viajado 89,5 quilômetros de estrada pavimentada esta terminava, dai o time deveria em seguida, ter virado à esquerda a 142° na leitura da bússola dirigindo-se para o deserto, para encontrar a antiga estrada que corria paralela à direita. Esse caminho levaria direto para Tamanrasset. A indicação no road book era muito clara ... o problema é que após o levantamento feito por Liddon e Gavin meses atrás, a estrada ainda estava em construção, contudo o asfalto continuou além da indicação de 89,5 km no Livro de Bordo... pronto - instalou-se a dúvida levando muitos para o deserto... O que fazer? Se aceita como correta a informação, vira antes dos 90km, ou segue-se em frente, até acabar o asfalto. E o pior, é que havia uma indicação de "Bad Notice" no Road Book que ninguém sabia o que era.
No final da página 21, vemos uma indicação de que, se estiver a estrada estiver já reformada, use o caminho até o fim e em seguida (topo da página 22), o time deveria atravessar a planície com um curso de 142°. Como a estrada em construção continuava além do 89,5km a maioria dos concorrentes continuou até o fim e só então descobriram.... nada. Nesta mesma página 22, vemos duas referências curiosas. Uma delas é que para chegar a mesquita era obrigatória dar 3 voltas ao redor dela para que, segundo as autoridades, daria segurança ao viajante que cruza o deserto. A outra referência é o cartaz de "Wasteland", colocada nessa área desde os testes nucleares que foram realizados pelos franceses. Outra referência que ninguém entendeu foi a da placa Bad Notice! Enfim a maioria dos competidores ficou vagando pelo deserto. Dos 32 carros inspecionados em In Salah, apenas alguns dobraram quando necessário. Como foi que eles conseguiram tomar o caminho certo? No dia seguinte só seguiram a rodovia para Kano apenas seis carros: Vanson, Neyret, Trautmann, Dacremont, Innes Ireland e Hemsley.
Claro que a organização perdoou os erros cometidos - além do que estavam espalhados por 1000 kms inúmeros carros quebrados, isso sem contar os carros perdidos no deserto que não se sabia onde estavam já havia 2 dias.
Ah... mas teve time brasileiro que participou... com um VW Brasília - um carro brasileiro muito - mas muito feio. Chegou até o final e se classificaram nos últimos lugares, mas chegaram - apesar das quebras. No final deste post há filmagem feita por eles... Era uma dupla gaúcha tendo como piloto o Cláudio Mueller e como co-driber o Carlos Guido Weck - há sites e blogs que glorificam esse rallye como o mais duro do mundo (o que é mentira - foi duro mas não foi o mais duro), que a FIA proibiu essa prova depois desta edição (o que é mentira...), e que a Brasília se comportou muito bem (o que é mentira...), etc... Bom... dizem que os gaúchos glorificam seus feitos... fazem eles muito bem. O que sobrou desta Brasília foi o capô - a que está no museu do Trevisan em Passo Fundo, sequer é uma recriação, mas um carro-homenagem. Dos 19 que conseguiram se classificar, os brasileiros ficaram em décimo sexto (16) lugar - mas resta falar que não cumpriram todo o trajeto. Aliás, somente - repito - somente 5 carros completaram full rally distance.
Sobre os carros que cumpriram todo o trajeto apenas o Citroen ganhador e a Lancia Fulvia do Shekhar Mehta, fizeram o loop 171 km nas montanhas de Hoggar na transição para o sul da Argélia. Aliás o Escort do Eric Jackson e Bob Bean também completou o loop, mas tiveram que voltar para Tamanrasset para consertar a suspensão que quebrou no Níger. Em todo o caso - parabéns a todos que terminaram esse equivocado rallye.


Os ganhadores

André Welinski - Ken Tubman e Jim Reddiex - que levaram o seu Citroen DS23 a vitória...

Resultado Final
PosPilotosCarrosTime Penalties
1André Welinski / Ken Tubman / Jim ReddiexCitroën DS 2315h 27m 30s
2Christine Dacremont / Yveline VanoniPeugeot 50443h 55m 01s
3Robert Neyret / Jacques TerramorsiPeugeot 50461h 25m 41s
4Claudine Trautmann / Marie-Odile DesvignesPeugeot 50478h 35m 41s
5James Ingleby / Robert SmithJeep CJ-6123h 58m 23s
6Patrick Vanson / "Jacquy"Citroën DS 23212h 40m 47s
7Eric Jackson / Bob BeanFord Escort235h 36m 14s
8Ali Sipahi / Asmi AvciogluMurat 124245h 20m 25s
9Basil Wadman / Michael Hillier / Chris LentzPeugeot 504245h 55m 26s
10Claude Laurent / Jacques MarchèCitroën GS249h 21m 03s
11Ed Golz / Fred BakerBMW263h 19m 51s
12Rainer Ising / Hans LudortRange Rover287h 25m 11s
13Evan Green / John BrysonLeyland P76294h 38m 14s
14Stephen Kimbrell / Gary WhitcombeRover P6 3.5303h 02m 01s
15Andrew Cowan / Johnstone SyerFord Escort RS2000311h 20m 00s
16Carlos Weck / Claudio MuellerVolkswagen Brasilia324h 11m 49s
17Kurt Reinhard / Ole PedersenBMW351h 02m 42s
18Bryan Wood / Edward MeekFord Escort378h 33m 03s
19Derek Tullet / Alan GauntFord Capri455h 34m 08s

Esse foi o carro feito em homenagem
Esse foi o carro verdadeiro


Luis Cezar

Um comentário:

Mario Lott disse...

Muito legal a reportagem, uma Brasilia 1974 no meio dos melhores carros da época, com apoio das fabricas. Alias este ano foi um ano Frances, tendo ate uma dupla feminina francesa em terceiro lugar. E dos alemaes nem Mercedes, nem Porsche chegou ao fim ! Dos carros brasileiros de 74, so sendo motor de fusca para chegar ao fim. Pelo que vi no filme, eles mesmo levavam os pneus, ferramentas, etc, ou seja acho que nao tinham carro de apoio. Bom mesmo chegando entre os ultimos, a expectativa era bem
menor que o da seleção brasileira, campea em 70, e q tbem nao chegou a final em 74.

Abraço e bons rallyes

Mario Lott